Ela
olha para o filho: pela primeira vez em muito tempo ele não parece prestes a
cair por terra com o peso que o mundo exerce na débil estrutura dos seus treze
anos. Ela sente o impulso do alívio. Está convencida de que ele se afundou
ainda mais depois de se terem mudado para uma aldeia no meio do nada e qualquer
sinal de ânimo lhe serve para afastar a culpa.
Há
nuvens negras no céu e o ar está duro do frio. Ainda assim ela diz: O cão não
aparece há dois dias. Vamos procurá-lo. Embora não esteja mesmo preocupada com
o cão. Quer apenas gozar aquele momento de alento do filho, talvez prolongá-lo.
Sem hesitar, ele aceita. A felicidade no corpo dela é quase uma dor, ela quer
abraçá-lo mas sabe que isso poderia estragar tudo.
Saem
os dois.
Caminham
lado a lado, em silêncio, o bafo das suas respirações denunciando-lhes o
cansaço. De vez em quando ela grita o nome do cão. Ele olha o chão diante dos
ténis. Ela diz: Gosto tanto de andar a pé. Ele não responde mas olha para ela e
dobra os cantos da boca. Passam da estrada de terra para um caminho de cabras.
Saltam por cima de água e lama, os pés dela seguindo os pés do filho.
E
depois ela solta um grito.
É
o cão. Está morto, pendurado por uma corda no ramo de um pinheiro. Tem a
garganta rasgada. Há dois paus cravados nos olhos. As patas foram cortadas. Não
é um cão, está muito longe de ser um cão.
Ela
agarra o filho para ele não olhar e vê um rasgo de satisfação contida no rosto
dele. Primeiro não entende, esforça-se por não entender. Mas a evidência é um
penedo no seu caminho. Ela quer chorar. Na sua cabeça vê o filho a correr atrás
do cão, depois a apanhá-lo, depois a… Para, grita para dentro de si. O cadáver
desfaz-se no chão de terra. O filho olha para o cão e depois para ela. Ela
começa a chorar. Limpa a cara, mas as lágrimas não param de cair e ela desiste.
Respira fundo algumas vezes. Diz: Já passa. Depois pega na mão do filho e os
dois afastam-se e continuam o passeio.
In Histórias Daninhas, edição de Guilherme
Pires e João Afonso, 2012
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